Jovens quilombolas de Cachoeira (BA) criam jornal para contar as próprias histórias
Baixar fotos, assistir vídeos, enviar mensagens ou ler notícias são práticas que fazem parte do dia a dia de boa parte da população brasileira, mas engana-se quem acredita que essa é uma realidade comum em todos os cantos do país.
Um levantamento divulgado recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que mais de 70% das pessoas que vivem as cidades fazem uso da internet, contra apenas 44% das que estão em áreas rurais. Uma das localidades que enfrenta essa e outras dificuldades de acesso ao mundo digital e aos meios de comunicação é São Francisco do Paraguaçu, distrito pertencente ao município de Cachoeira, na Bahia, que reúne cerca de três mil habitantes entre quilombolas e ribeirinhos.
Para buscar uma alternativa à falta de representatividade midiática em relação à comunidade, os jovens organizados pela Associação dos Remanescentes de Quilombo decidiram criar sua própria mídia, o jornal Sala Verde. O projeto foi um dos destaques da última edição da premiação nacional Desafio Criativos da Escola.
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A ideia teve o apoio e mediação dos estudantes do Programa Social de Educação, Vocação e Divulgação Científica na Bahia”, da Universidade Federal da Bahia (UFBA). O grupo, que reúne alunos de diferentes cursos, de medicina a jornalismo, realiza atividades de educomunicação na região desde 2014.
O grande objetivo é apoiar os jovens no processo de ampliação de suas vozes e da comunidade. Foi assim que cerca de 30 estudantes quilombolas se dividiram nos processos de escolha dos temas e na produção de reportagens que abordaram tanto os desafios quanto as potencialidades da cultura local.
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“Estou buscando conhecimento, aprendo novas palavras e até estou conseguindo conversar melhor. [O projeto] é importante porque a gente aprende coisas novas e passa para outras pessoas e também descobrimos histórias sobre a comunidade”, conta Natiele Batista, 15 anos, aluna do 1º ano do Ensino Médio de uma escola local.
Mão na massa
Junto a outras colegas, a menina decidiu abordar uma questão que atualmente tem se mostrado muito presente entre elas. “Violência contra a mulher: uma crônica” aborda a história de uma garota que é espancada por seu namorado em uma festa e, após buscar conselhos com uma amiga, consegue denunciar o agressor e seguir sua vida. O texto ecoou de forma significativa entre os jovens, colaborando, inclusive, para a reflexão de alunos que já haviam vivido experiências semelhantes em suas próprias casas.
Mas os materiais também vão além dos problemas. Todo o universo de brincadeiras, lendas locais e acontecimentos cotidianos estão presentes nos conteúdos abordados. Um exemplo é o programa produzido por Darlan Santos, de 15 anos, aluno do 1º ano do Ensino Médio, que traz características curiosidades da região. “Percebo que a juventude gosta dos trabalhos realizados. Eu, por exemplo, produzi um material na rádio sobre uma chuva rara de granizo que teve no lugar onde eu moro”.
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Para espalhar essas narrativas com o restante da comunidade, os estudantes produziram todas as matérias em dois formatos diferentes, impressas em papel e em áudio para um programa de web rádio, com conteúdos acessíveis aos que não sabiam ler. A rádio também foi apresentada aos moradores durante evento na associação e os jornais foram impressos e distribuídos pelas ruas do local, fazendo com que aqueles que leram ou ouviram as produções pudessem se sentir finalmente representados em um conteúdo jornalístico.
Além dos muros da universidade
De acordo com a orientadora do projeto, a professora de biologia Rejane Silva, esta experiência contribui para expandir a consciência crítica dos universitários envolvidos. “Nós construímos as atividades para que o protagonismo seja dos jovens da comunidade, mas também existe um grau de protagonismo dos estudantes da universidade, por eles serem orientadores do trabalho”, explica.
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Ainda segundo Rejane, o intercâmbio com outras realidades ajuda a romper um padrão equivocado de ensino. “Esse projeto permite uma visão da universidade fora dos padrões tradicionais, que é você ter um conteúdo dentro de uma sala de aula apenas. Vários alunos dizem pra mim: ‘Professora, eu aprendo muito mais do que eu ensino’. Eles quebram essa visão do assistencialismo da universidade”.
Uma das integrantes do grupo, a jornalista e pedagoga Mariana Sebastião, trabalha na comunidade desde 2014 e, atualmente, realiza doutorado cujo o objetivo é a criação de uma Agência de Notícias com os jovens. “Nosso trabalho é muito mais de qualidade do que de quantidade. Fazemos um trabalho de formiguinha e também somos transformados a todo tempo”.
Redação: Guilherme Weimann
Edição: Jéssica Moreira
Imagens: Divulgação