Curso discute também como pensar a inclusão de pessoas com deficiências na sociedade
Como promover uma educação realmente inclusiva? Foi a partir da chegada do primeiro aluno cego do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul que esse questionamento ficou ainda mais latente na escola, dando espaço para a criação do projeto Braille Básico, finalista da 5ª edição do Desafio Criativos da Escola, em 2019.
Veja +: Conheça os premiados do Desafio Criativos da Escola 2019
Diante das dificuldades de acessibilidade, Victor de Lucena, do 2º ano do Ensino Médio, viu uma oportunidade de ensinar aos demais colegas e funcionários a língua pela qual se comunica e, assim, quebrar preconceitos e estereótipos relacionados às pessoas cegas.
“Eu fui o primeiro aluno cego. As pessoas não tinham muito contato com cegos, mais com surdos mesmo, e eu pensei que poderia desenvolver mais isso aqui também”, conta Victor.
O jovem e outros dois colegas, Jean da Rosa e Victor Machado, criaram um curso sobre o sistema braille, englobando também melhores formas de lidar com pessoas cegas no que se refere à orientação e mobilidade.
Com atividades lúdicas e interativas, o principal intuito do curso no princípio foi mostrar como pessoas não cegas poderiam colaborar na inserção de pessoas com deficiência na sociedade. “A gente mostra que a colaboração e o conhecimento das pessoas videntes são muito importantes para que a inserção ocorra. Para mostrar que a comunidade cega pode, sim, prosperar. Não devem ser excluídas”, diz Victor.
+ Estudantes com deficiência mostram importância do protagonismo
Com o apoio da professora Giane Santos – que sabiam que já possuía conhecimentos básicos de braille – o grupo transformou a iniciativa em um projeto de extensão da escola. Conquistando o apoio da direção e com a ajuda da educadora, os meninos obtiveram os materiais necessários para a aula em outro campus do Instituto e começaram a colocar em prática as ações do projeto.
Em 2018, Victor e os amigos abriram uma turma com 15 participantes com carga horária de 24 horas. Em 2019, dobraram a quantidade de vagas, abertas para toda a comunidade, aumentando a visibilidade das pessoas com deficiência visual na região.
As aulas iniciais do curso visam apresentar a história do braille e sua importância para as pessoas cegas. Na sequência, o conteúdo é mais técnico com o ensino do alfabeto em braille. No fim do processo, os participantes já são capazes de escrever frases completas e realizam até uma prova final sem consulta.
Muito além do braille
O projeto tem impactado não só os participantes do curso, mas também a gestão da escola. Segundo os meninos, a iniciativa melhorou a relação entre os alunos e a proposta agora é seguir abrindo mais vagas para sensibilizar novos estudantes, o corpo docente e demais funcionários.
Veja também: libras: a voz do silêncio
Para o aluno Jean, no entanto, o curso vai muito além do Braille. Em todas as aulas são reservados, ao menos, 30 minutos para debater assuntos voltados à inclusão. Os estudantes ensinam como fazer uma audiodescrição, como se realiza a mobilidade e também apresentam as mais diversas modalidades esportivas destinados a pessoas cegas. O curso conta ainda com um material assistivo, que inclui jogo da memória, cubo mágico, entre outros materiais.
“Eu acho que é importante aprender o Braille, mas o mais importante é ver que as pessoas estão mais conscientizadas sobre a inclusão. A inclusão anda lado a lado com braille e nós fazemos o melhor possível para que as pessoas a entendam e que coloquem ela em prática”, conta Jean.
“Acredito que as pessoas ficaram mais atentas. Com a minha participação, perceberam que as pessoas cegas também podem fazer muitas coisas”, diz orgulhoso Victor, que acredita que a ação também tem transformado aqueles que serão futuros pedagogos e procuraram o curso. “Ter esse contato com uma pessoa com deficiência sem dúvida te abre os olhos para discutir essa questão, porque é uma coisa na qual as pessoas não têm muitas informações”.
Leia +: População brasileira é favorável à inclusão nas escolas, diz pesquisa Datafolha
Levantamento inédito do Datafolha, encomendado pelo Instituto Alana, revela que aproximadamente nove em cada dez brasileiros acreditam que as escolas se tornam melhores ao incluir crianças com deficiência. O levantamento ouviu mais de 2.074 pessoas, todas com mais de 16 anos, em 130 municípios do país, entre os dias 10 e 15 de julho de 2019. Para 86%, as escolas se tornam melhores com a educação inclusiva, e 76% acreditam que as crianças com deficiência aprendem mais estudando junto com crianças sem deficiência.
Desafios para uma educação inclusiva
A professora Giane conta que, embora haja um esforço por parte dos estudantes, ainda há bastante resistência dos funcionários a participarem do curso. No primeiro ano, apenas uma professora se inscreveu. Na edição de 2019, professores de outros municípios da região se interessaram pelo curso, que está ultrapassando as paredes do instituto. A equipe está se propondo a visitar outras escolas para conscientizar os alunos sobre a importância da acessibilidade para pessoas com deficiência visual.
Victor, em específico, também se sente transformado por perceber o interesse da comunidade em aprender o braille (a última edição do curso teve até lista de espera!) e percebe mudanças na escola que, agora, está um pouco mais capacitada para lidar com as diferenças de seus alunos e alunas.
Redação: Criativos da Escola
Imagens: Divulgação