Adolescentes moradores da zona leste da cidade de São Paulo investigaram vulnerabilidades da quebrada para criar um projeto de incidência e ação comunitária.
Quando o geógrafo Milton Santos pensa o conceito de território, com todas suas múltiplas possibilidades de interpretação, considera a presença humana como fundamental nesta definição. São as relações que se constroem no e com o território que fazem com que ele seja significativo para quem o ocupa.
O território de Cauã Roberto de Oliveira, de 15 anos, é o bairro Jardim Marilu, no extremo da zona leste de São Paulo. É ali que funciona sua escola, e ali que estão suas relações familiares e comunitárias. Por conta da pandemia, o jovem estudante notou que são os territórios vulneráveis e com ausência de políticas públicas consolidadas que mais sofrem em qualquer momento de crise.

“Andando pelo bairro, dava para perceber que muitas pessoas estavam passando necessidades, com dificuldade financeira ou de moradia”, relata o adolescente, que está no 9º ano do ensino fundamental da escola EMEF Henrique Souza Filho.
Durante uma aula de educação digital, Cauã e seus colegas Fernando Gama e Guilherme de Andrade tiveram a ideia de transformar o seu TCA (Trabalho Colaborativo Autoral) em um projeto de incidência e transformação no bairro Jardim Marilu. Nascia, então, a iniciativa Olhar da Quebrada, que foi premiada na 6ª edição do Desafio Criativos da Escola.
Escuta e busca ativa no Jardim Marilu
O projeto, que nasceu com o nome Redução de Desigualdades, tem passado por mudanças desde sua concepção. Sua primeira fase foi uma pesquisa de campo feita pelos estudantes para entender quais as demandas do território. Para isso, eles contaram com a orientação do educador Bruno de Souza em duas frentes: uma para compreender a desigualdade social, e outra para entender como utilizar ferramentas digitais para pesquisar sobre a temática.
“O meu trabalho foi de professor mediador. Durante a aula de educação digital, trabalhei com os estudantes sobre o tema da desigualdade social. Fizemos discussão sobre o assunto e seus impactos na sociedade. Meu papel foi dar as ferramentas e condições para que os estudantes conseguissem visibilizar o projeto”, detalha Bruno.

Os estudantes criaram, então, um formulário digital e artes em aplicativos como Canva, que eles aprenderam a utilizar em sala de aula. O formulário foi compartilhado entre os estudantes e funcionários da escola, e também foram feitas escutas aprofundadas para que o grupo entendesse junto à comunidade quais eram as situações enfrentadas durante a pandemia. Além disso, os adolescentes pesquisaram dados na própria Busca Ativa da escola, criada para mapear quais estudantes poderiam estar com dificuldades de aprendizado por conta do isolamento social.
Como o território, um projeto que muda
Depois da coleta e análise dos dados, veio a ideia:
Ao ver que as dificuldades financeiras aconteciam para várias pessoas do bairro, pensamos em criar uma associação de moradores. Era uma estrutura que poderia fazer com que as pessoas se ajudassem e que também serviria para criar laços entre os moradores. Conversamos com pessoas desse ramo, alguém da comunidade e da prefeitura, porque queríamos um apoio para elaborar o projeto.
Foi também, a partir do diálogo com o território, que o grupo entendeu que a proposta não conseguiria se sustentar a curto prazo, e nem atender às demandas urgentes do território. “Divulgamos para as pessoas a ideia da associação de moradores, mas era um processo burocrático grande, e mais difícil ainda de ser feito na pandemia. Havia necessidades mais urgentes, como a da própria alimentação”, complementa o estudante.
E foi por conta das demandas mapeadas e das informações coletadas que os estudantes organizaram sozinhos a primeira ação comunitária da escola. A iniciativa Olhar da Quebrada criou uma campanha de doação de alimentos no território, e os estudantes montaram cestas básicas com o que foi coletado e com o valor da premiação do Desafio Criativos da Escola.

Distribuídas as cestas básicas, os estudantes quiseram dar continuidade no projeto. E, assim, transformar a escola em um espaço permanente de acesso à segurança alimentar. Eles estão, hoje, envolvidos na criação de uma horta comunitária aberta.
“A cesta básica ajuda as pessoas temporariamente. Ela acaba, e com isso, pensamos que tínhamos que fazer algo mais permanente. Como este é o nosso último ano, queríamos deixar uma marca na escola. Então, tivemos a ideia da horta comunitária, onde todos os estudantes poderiam ajudar. É a primeira vez que a escola atua dessa forma comunitária”, conclui o estudante.
Redação: Cecília Garcia
Edição: Helisa Ignácio
O nome do trabalho é Olhar Da Quebrada, porque a gente entende que, antes de mudar ao mundo, precisa mudar o lugar onde vive. Por que não fazer algo para ajudar nosso território, ao invés de concentrar nossos esforços para ir para fora? Falar da zona leste por si só é amplo, então escolhemos focar no nosso bairro, em entender suas dificuldades e propor soluções.
reflete o estudante Cauã.