Jovens de Boa Vista (RR) criaram diversas atividades coletivas para acolher estudantes imigrantes e minimizar bullying na escola
Chegar em uma nova cidade é sempre um desafio. Afinal, as saudades do antigo lugar mescladas ao processo de adaptação exigem tempo, cuidado e também acolhida, principalmente para crianças e jovens, que tendem a sofrer com o processo de transição também no ambiente escolar.
Foi pensando em como tornar essa experiência um pouco menos dolorosa que Nicolly Barros, aluna do 3º ano do Ensino Médio da Escola Estadual Lobo D’Almada, em Boa Vista (RR), teve a ideia de criar o projeto “Acolhimento, somos responsáveis pelo que cativamos.” A iniciativa foi um dos 40 projetos finalistas da 5ª edição do Desafio Criativos da Escola, em 2019.
Ao perceber que os estudantes de fora estavam sofrendo com práticas de bullying e apresentando comportamentos depressivos ou excesso de ansiedade, Nicolly chamou cerca de outros 40 colegas e o grupo começou a realizar atividades de acolhimento e de mobilização para promover o desenvolvimento escolar.
“Se a gente vê um problema e não traz a solução, a gente também faz parte do problema. Quando eu mudava de escola, eu me sentia um pouco deslocada, porque quando a gente chega nunca tem ‘aquela’ recepção, nunca tem alguém para te ajudar”, comenta.
A professora orientadora do coletivo, Maria Bernadete Oliveira, concorda, e conta que a ideia tem promovido a união entre os estudantes, e realmente aguçado o senso de solidariedade entre os mesmos, que desde então têm disponibilizado seu tempo para ouvir e ajudar os outros colegas.
“O projeto desperta momentos de muita coragem, no qual jovens que passaram por situações de bullying, depressão, isolamento e ansiedade socializam suas experiências para que os jovens que estejam passando por esse problema possam encontrar a superação”, enfatiza Bernadete.
De jovem para jovem
A iniciativa busca acolher todos os estudantes nos primeiros dias de aula, quando a escola é adornada com balões e cartazes de boas vindas. Durante o ano letivo, o grupo acompanha os estudantes, ajuda nas dificuldades de aprendizagem apresentadas e os incentiva a construir novos laços de amizade.
Por ser uma cidade que faz divisa com outros estados e também países, como Venezuela e Guiana, Nicolly acredita que é importante abraçar a diversidade. “A diferença traz para a gente é a questão do respeito e a questão de conhecer novas culturas e pessoas. É sempre bom conhecer pessoas totalmente diferentes de você. A troca de experiências que acontece, a amizade; tudo isso é uma aprendizagem e é um sentimento de gratidão”.
Para promover a integração, os estudantes realizam atividades desportivas e organizam também palestras informativas sobre problemas emocionais e psicológicos. Para a realização das rodas de conversa, os jovens pesquisam antes diversas metodologias sobre temas como depressão e bullying para passar a mensagem de maneira simples e interativa.
A ideia é deixar os colegas o mais confortável possível, dando abertura a falar sobre seus próprios problemas. Em seguida, os estudantes voluntários encaminham os casos para o Serviço de Orientação da escola que, posteriormente, encaminha-os para o setor de Psicossocial da Secretaria de Educação.
Para Nicolly, quando o aluno se sente bem na escola, esse retorno é perceptível no dia a dia escolar. “Não adianta a gente estar dentro [do espaço escolar] e esquecer o aluno. ‘Você é uma máquina e só estuda aqui’. Não. Temos que lembrar que nós somos seres humanos; nós precisamos desse acolhimento, nós precisamos dessas pessoas. É importante sim esse acolhimento porque os dois lados ganham”.
Envolvendo a escola toda
Após o processo de acolhida junto aos estudantes, o grupo resolveu dar um passo além: falar com funcionários da escola e educadores, para que eles também compreendessem melhor as questões que afetavam a vida e aprendizagem dos colegas.
“Essa reunião foi a que mais me marcou porque eu vi professores, que me davam aula, recebendo uma aula nossa e chorando com a gente”, conta um dos integrantes do grupo, Manoel Guilherme Lopes, também estudante do 3ª ano do Ensino Médio da mesma escola.
Além disso, o projeto tem se tornado uma referência em todo o estado. Os jovens apresentaram a iniciativa em uma audiência pública na Assembleia Legislativa e formularam um projeto de lei para concorrer ao concurso Parlamento Jovem, promovido pela Câmara dos Deputados Federais, em Brasília (DF). Neste espaço, conquistaram o primeiro lugar entre os projetos enviados de todo o estado e Nicolly é a representante de Roraima até 2020.
“O projeto é um referencial para o nosso estado, pois é um exemplo de protagonismo e passou ser um referencial para outras escolas e passamos a atender as escolas que solicitam”, conta a orientadora Bernadete, que, junto aos alunos, quer replicar a iniciativa cada vez mais.
Redação e edição: Criativos da Escola
Imagens: Projeto Acolhimento