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Como definir quais serão as ações do meu projeto?

19/05/2020 - Por Helisa Ignácio

Especialistas e estudantes citam princípios importantes para construir as ações de um projeto transformador

O que você pensaria se alguém te dissesse que existem deuses invisíveis que sopram no ouvido das pessoas as ideias mais criativas? Hoje esta ideia parece absurda, mas era mais ou menos isso que dizia o pensador grego Sócrates ao defender que as pessoas seriam como “antenas” responsáveis por receber as mensagens destes seres divinos.

A perspectiva do filósofo que viveu há mais de 400 anos antes de Cristo é muito mais complexa do que isso, é claro, mas provoca a sociedade a se questionar até o momento atual: afinal, como surgem as ideias mais criativas e transformadoras da sociedade?

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Para além de propostas originais, diferentes ou completamente inovadoras, o Criativos da Escola defende que a criatividade é uma habilidade possível e viável para todas as pessoas, dentro ou fora das escolas, laboratórios, incubadoras e centros de inovação, por exemplo. Neste sentido, um dos pontos fundamentais para pensar ações que realmente combatem o problema escolhido por um grupo de estudantes é a escuta das pessoas que são mais atingidas por este problema. Esse é o ponto de vista da coordenadora do Criativos da Escola, Angélica Garcia.

“A gente costuma receber muitos projetos no Criativos que, por exemplo, tentam criar atividades em asilos para idosos ou para ajudar pessoas que estão morando na rua. Mas, muitas vezes, os projetos saem criando ações [para essas pessoas] baseados no que eles acham que essas pessoas precisam. Seria tão mais impactante se a gente perguntasse: ‘e aí, o que vocês precisam, o que seria legal que a gente fizesse para a sua situação melhorar?’”, sugere Angélica.

Foi justamente isso que o projeto “Cruzando os Sertões da Mata Branca: Educação e Sustentabilidade na Caatinga” fez. Premiada no Desafio Criativos da Escola em 2016, a iniciativa foi realizada por um grupo de estudantes do município de Iguatu (CE) que se sentiu incomodado por perceber equívocos e ausências de informações sobre o bioma caatinga no próprio material escolar.

De acordo com um dos integrantes do projeto e hoje estudante de direito, Moisés de Souza, de 20 anos, a procura por opiniões diferentes é uma das etapas mais importantes de qualquer projeto. “O que eu acho mais tocante em um projeto é tentar integrar a população que fica de fora dos meios acadêmicos e da própria escola. Integrar e ouvir a população que justamente tem um contato mais direto com o problema do que nós”, pontua.

No caso deles, Moisés afirma que ouvir agricultores da região contribuiu para que eles percebessem uma outra dimensão do problema em relação à falta de conhecimento e devastação da caatinga. “Quando fomos conversar com o pessoal da associação, percebemos que os agricultores tinham interesse em práticas sustentáveis, mas faltavam incentivos e conhecimento. Às vezes a gente fica discutindo de forma teórica, mas não trazemos o público fundamental, que são aquelas pessoas afetadas diretamente pelo tema. No nosso caso, as pessoas que estão diretamente inseridas e sobrevivendo no bioma da Caatinga”, pondera.

Definir as ações

Para o designer e professor do Istituto Europeo di Design (IED), Fábio Silveira, existem diversos procedimentos que podem ajudar a definir não só o problema principal que será enfrentado em um plano de ação ou projeto, mas também as práticas que busquem soluções para ele.

“Existem dois modelos fundamentais que operam esses momentos criativos. Um deles é quando a gente está pensando no problema. Em geral, a gente é chato, meticuloso e pessimista nesse momento. Eu chamo esse processo de sessão de descarrego. Ao passo que no momento de pensar em soluções é necessário operar um outro modelo mental, que é o da possibilidade, do otimismo, do explorador. Aí não existe ‘não’, é apenas ‘sim’ e vamos adicionar [possibilidades]”, explica Fábio.

O educador ainda sugere um método que ele denomina como “ideação silenciosa”, que parte do individual para o coletivo. “Individualmente, cada integrante do grupo coloca em um papel as principais ideias que ele acredita ser importantes para resolver o problema. Depois desse momento, começam a formar grupos ou pares de conversa. Aí acontece uma coisa que me parece muito mágica, que é agrupar ideias semelhantes. As ideias deixam de ser individuais e passam a ser coletivas”, opina. Confira abaixo outras dicas dadas pelo educador:

Não se apegar a uma ideia

Ao realizar a escuta das pessoas mais atingidas por um problema existe a possibilidade de o grupo perceber que a própria questão escolhida talvez não seja a mais urgente para ser trabalhada. Ou, pelo menos, que a realidade impõe a necessidade de pensar outras dimensões desse problema.

Foi essa a conclusão das estudantes do projeto “E se fosse com você?”, de Sapiranga (RS), premiado no Desafio Criativos da Escola em 2019. Para combater o feminicídio, que é o homicídio de mulheres motivado por questão de gênero, elas decidiram realizar entrevistas com as avós para conhecerem melhor os casos de violência doméstica que elas já tinham sofrido. Entretanto, acabaram frustradas.

“A primeira ação foi conversar com as nossas avós sobre a violência que elas sofreram, mas não deu certo porque elas não se sentiram confortáveis. Aquilo ali machucou muito a gente, porque o depoimento delas naquele momento era essencial: ‘poxa, como a gente vai fazer um projeto sem o depoimento delas?’. Mas a gente começou a procurar relatos fora [de casa], de outras pessoas”, relembra Roberta Caxambu, uma das integrantes do grupo, atualmente com 15 anos.

Essa primeira negativa serviu de motivação para as estudantes reavaliarem o próprio tema do feminicídio. “A gente decidiu criar tópicos dentro do feminicídio, [pensando] o que cabia dentro desse tema. Mas depois a gente percebeu que o projeto não poderia ficar preso apenas no resultado da violência contra as mulheres. Por isso, pensamos em trabalhar as causas que levam a esse feminicídio. Então, a gente pensou: ‘o que vem antes e como podemos cortar o mal pela raiz?’”, recorda Roberta.

Foi aí que elas decidiram contar histórias infantis que abordassem o tema da igualdade entre homens e mulheres para crianças das séries iniciais do ensino fundamental, organizaram palestras com os responsáveis pelos estudantes, criaram um clube feminista com outras colegas, e ainda conseguiram proporcionar uma discussão com os alunos, para enxergarem como reproduziam práticas machistas no cotidiano.

Sempre persistir

Obstáculos, falta de recursos e dificuldade em conseguir apoio. Estas são algumas das barreiras enfrentadas pela maior parte das iniciativas que buscam promover uma transformação efetiva da realidade. Ao contrário do que pode-se imaginar, estas são também características, inclusive, da ampla maioria de projetos premiados ou finalistas do Desafio Criativos da Escola. 

“Não há luta, não há batalha, não há projeto sem dor de cabeça, sem sofrimentos, sem termos pessoas que vão tentar nos barrar, que vão dizer que o projeto não dá certo. Mas o importante é sempre seguir em frente. E observar que aquela realidade que você vive é um problema e que precisa ser resolvido”, aconselha Moisés, de Iguatu (CE).

Junto com seus colegas, o jovem se permitiu a pensar o impossível para a realidade em que vivia naquele momento. Ou, na opinião do educador Fábio, pensar futuros possíveis. “[Os jovens] pensam o impossível. Mas o que eu acho que tem mais a ver é que os jovens estão conectados com os futuros possíveis. O pensamento do jovem é o pensamento no futuro possível de ser concretizado e é isso que a gente tem que acreditar”, defende Fábio.

Redação: Guilherme Weimann
Edição: Gabriel Maia Salgado

 

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