Misturando saberes escolares aos dos agricultores da região, jovens plantam mudas para reflorestar nascentes locais
Imagine uma aula diferente, que acontece dentro de uma associação de moradores próxima à mata ciliar e às nascentes de um rio. Imagine também que, para além dos professores de biologia ou matemática, os agricultores do assentamento local são também educadores que ensinam técnicas de preservação de meio ambiente.
Foi justamente isso que aconteceu com o projeto Nascente Protegida é Água Garantida, da Escola Estadual Aníbal Cardoso, em Ipojuca (PE). Aliando o currículo escolar aos saberes das famílias agricultoras da região, a iniciativa propôs revitalizar a mata ciliar nas nascentes próximas e construir uma relação entre escola e os trabalhadores rurais.
A estudante Maria Vicente, uma das participantes do projeto e hoje estudante do 3º ano do ensino médio, relata que a experiência foi uma oportunidade de crescimento. “Levamos um pouco de fora da escola para dentro. Os agricultores falaram o que sabiam e a gente adaptou para a nossa realidade. Isso não é algo comum de acontecer!”.
Para converter essa experiência educativa em uma transformação efetiva do território, o projeto levou os estudantes para fazer o reflorestamento de duas nascentes e de um rio de Ipojuca, dominada em sua maior parte pela monocultura da cana-de-açúcar. A Associação de Moradores de São Miguel e seus mais velhos representantes foram responsáveis por ensinar como fazer a plantação e cuidar das mudas.
Da bicicleta ao rio: uma aula fora da escola
Maria tem lembranças afetivas dos dois encontros junto à população local. No primeiro, o caminho percorrido da escola até a associação foi feito de bicicleta. Com canelas sujas de terra e peito arfando, os estudantes tiveram o primeiro contato com a mata e com quem ela sempre trabalhou e cuidou.
“Nem todo mundo tinha bicicleta, então os alunos que tinham alguma a mais emprestaram. Chegamos à associação de moradores, e com eles conhecemos duas nascentes e um rio. Na parte da tarde, eles já nos emprestaram as enxadas para podermos cavar os buracos para as 62 mudas que tínhamos conseguido com a Usina Trapiche. Depois, tomamos um banho de rio”.
Nesse dia de intensa programação, o estudante José da Silva relembra que havia uma tarefa para todo mundo: “Como o projeto foi uma iniciação científica, todos participaram do processo produtivo, sempre trocando de função para aprender o máximo dela. Tinha quem estivesse no plantio, quem tirasse foto, variando para que todo mundo participasse de algum jeito”.
Figuras como Lindomar Santana, o presidente da Associação, e senhor Gaimum, morador mais velho do assentamento mostraram como tratar gentilmente a terra e a fazer as plantações. Nívia Cruz, que na época de execução do projeto era professora de biologia, relembra a gama variada de conhecimentos que havia nessa população local.
“O foco do projeto é ouvir e valorizar o conhecimento da comunidade rural. Saímos catando as informações dele para plantar: os moradores sabem a distância, onde colocar as mudas, o tamanho do buraco que tem que ser feito. Fomos para os assentamentos abertos para valorizar a educação que não é formal. A galera do campo tem muita informação importante”.
Plantar, irrigar e criar pontes com o território
No segundo encontro, foi a vez de plantar as mudas e entender como garantir que elas cresceriam e continuariam irrigadas, visto que os estudantes não poderiam checá-las sempre que quisessem. Veio deles a ideia de criar um sistema de irrigação com garrafas PET e também a de colocar placas no lugar para pedir que os outros moradores não sujassem as nascentes quando fossem buscar água.
Na construção do sistema de irrigação, a interdisciplinaridade de matérias como biologia e matemática se fez presente, como relembra o estudante José. “O projeto foi importante tanto na parte de estudar biologia como na parte da vivência. Estudei a história do local, dos engenhos de açúcar em Pernambuco, e na parte de biologia a proteção dos biomas. Junto com esse processo todo eu aprendi uma porção de coisa que eu não teria noção estando somente na escola, com o estudo padrão”.
Para Maria, que vem de uma família de agricultores, falou sobre a importância de ter esses conhecimentos valorizados dentro da escola: “Foi muito maravilhosa a experiência, cheguei em casa animada para falar com meus pais, que são agricultores. Aprendi a valorizar o esforço e o trabalho do agricultor”.
A ideia é que o projeto não tenha fim na plantação de mudas. “Se firmou um compromisso de calendários de visitas, para que os agricultores visitem. A escola onde tem um projeto de horta suspensa, pois é um conhecimento com o qual eles podem nos ajudar”, afirma Nívia. “É necessário trabalhar o projeto que foge do tradicionalismo. Só assim os meninos vão criar esperança e invadir outros espaços, como as universidades”.
Redação: Cecília Garcia
Edição: Jéssica Moreira
Imagens: Divulgação