Alunas do Rio de Janeiro (RJ) formam um coletivo para empoderar garotas e combater machismo e racismo dentro da escola
Aceitação, motivação e autoestima. Esses são os três princípios que norteiam a iniciativa de alunas da Escola Municipal Levy Miranda, localizada na comunidade do Morro do Chapadão, no Rio de Janeiro (RJ). Transformando o cotidiano de todo o colégio, cinco estudantes do 1º ano do ensino médio formaram um coletivo para empoderar garotas e combater o machismo e o racismo dentro e fora do ambiente escolar.
Por meio de oficinas de turbante, de penteado afro, do compartilhamento de ideias para cuidar do cabelo crespo e de debates sobre as consequências do machismo e do preconceito racial, as integrantes do projeto “Solta esse black” conseguiram diminuir significativamente os casos de opressão e estão contribuindo com a valorização da identidade negra na escola. A iniciativa foi uma das premiadas na última edição do Desafio Criativos da Escola. (Clique aqui e veja como foi a premiação do Desafio Criativos da Escola 2016).
Sem machismo e sem racismo
A motivação para criar o coletivo surgiu da vontade das garotas de acabar com as situações de opressão sofrida por elas em sala de aula por meio de comentários machistas dos garotos. Juntas, as estudantes uniram forças e assumiram uma nova postura contra as situações que as incomodavam no cotidiano escolar e fora dele. “Eu não preciso de meninos falando que eu sou maravilhosa ou da minha mãe para dizer que sou bonita, mas eu achar isso de mim mesma. Não é qualquer comentário maldoso que vai abalar o que penso sobre mim e tudo isso eu aprendi junto com elas”, relata a aluna Lydianne Ribeiro.
Para dar início ao projeto, as cinco jovens tiveram a ideia de criar na escola um espaço de conversa exclusivo onde pudessem falar sobre suas experiências e angústias. Em um desses diálogos, as meninas chegaram a um tema muito delicado para elas: a transição capilar. Ou seja, deixar de usar químicas de alisamento em seus cabelos e assumir os fios naturais. Segundo as integrantes do grupo, esse é um momento difícil de autoaceitação e autoconhecimento, sendo que muitas pessoas desistem e voltam a alisar os cabelos. “No começo era muita crítica, até meu pai queria raspar meu cabelo. Desde os oito anos [de idade] eu alisava meu cabelo, eu não me aceitava de jeito nenhum”, lembra a estudante Camila Santos.
Uma outra constatação das alunas durante o projeto foi que a identidade negra é negligenciada não apenas na escola, mas em várias esferas da sociedade, e que isso as deixava ainda mais inseguras. Com o apoio da professora Pâmela Souza, então, decidiram colaborar com a mudança desse cenário. “Toda vez que eu tentava abordar o tema do feminismo, pontualmente, em salas de aulas era muito desgastante e as meninas não conseguiam falar”, lembra a educadora.
Pensando em expandir o projeto, as alunas decidiram passar de sala em sala para convidar jovens das outras turmas da escola a também fazerem parte do grupo. “Desde o início, as meninas foram muito abertas e então começamos a tratar sobre os nossos três pontos: aceitação, motivação e autoestima”, explica Lydianne. Já na primeira oficina realizada, as jovens conseguiram reunir mais de 200 estudantes. “Foi aí que eu entendi que essa é minha fonte de energia e quero passar isso adiante”, completa.
Para a estudante Lorrane Barbosa, o “Solta esse Black” contribuiu com o reconhecimento de sua identidade. “Tudo mudou: a forma de me vestir, de falar e as coisas que curtia. Minha transformação foi para melhor. Hoje me sinto uma pessoa renovada e de bem com a vida”, destaca.
Assista ao vídeo das estudantes do projeto Solta esse black:
Liberdade para ser quem somos
Apesar da iniciativa ter começado em 2015, quando as alunas Camila, Layz, Lydianne, Amanda e Lorrane cursavam o 9º ano do ensino fundamental, e ter se efetivado no ano passado quando as alunas ainda estudavam na escola, o grupo permanece mobilizado para que o projeto envolva ainda mais jovens do colégio. “As meninas mais novas são os frutos [do projeto]. A gente imaginava que o projeto iria dar certo, mas não com o impacto que teve” comemora a Lydianne.
Hoje, a Escola Municipal Levy Miranda convive com palestras e rodas de conversa sobre empoderamento feminino, oficinas sobre cuidados com os cabelos e debates contra o racismo e machismo, além de outras demandas levantadas pelas estudantes cotidianamente.
Para professora Pâmela, o projeto respondeu a uma demanda urgente que existia na escola, mas que não era tratada de maneira explícita. “A gente finge que a beleza não é importante e que falar sobre cabelo é pouco. Na nossa escola, a maioria [das pessoas] é negra e o que as alunas fizeram foi transformador para a autoestima delas”, ressalta. A estudante Lydianne confirma: “eu sofria muito com os comentários ruins sobre mim e falar sobre isso foi libertador. Não me sinto mais em uma gaiola, oprimida. Me sinto um passarinho livre”.
Veja mais fotos da iniciativa:
Redação: Vanessa Ribeiro
Edição: Gabriel Maia Salgado