Após assistir à animação Vida Maria — história de uma menina que é obrigada a largar estudos e sonhos para cuidar dos afazeres de dentro de casa —, um grupo de meninas da Escola Estadual Luiz Campo Dall’Orto Sobrinho, da cidade de Sumaré (SP), percebeu que a narrativa não era ficção. E, por isso, se sentiu provocado a compreender melhor e a mudar esta realidade, que é vivida de forma predominante por mulheres negras.
Vitória Santos, Barbara de Souza e Raissa Batista encontraram, na literatura, um mundo de possibilidades de vida narradas e documentadas por escritoras afrobrasileiras. Criaram, assim, o Club The Readers – Tecnologia e Literatura Libertam, com o apoio da sua professora Eliana Cristo. A iniciativa está entre as 50 premiadas no Desafio Criativos da Escola 2020.
Segundo nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2020, mais de 18% das mulheres negras brasileiras têm o trabalho doméstico como ocupação. Enquanto, apenas 2% têm cargos executivos e de gerência, de acordo com estudo do Instituto Ethos realizado em 2015. A partir da pesquisa de dados como estes, as adolescentes se perguntaram, então, como poderiam mostrar para outras jovens que é possível criar outras histórias que vão além do estigma da mulher negra em trabalhos subalternizados.
Por meio das redes sociais, de jogos e pesquisas, e cafés literários online, as alunas dão visibilidade a escritoras negras e estimulam a leitura de seus livros. Além de resgatar a ancestralidade e a história destas mulheres, as adolescentes querem inspirar outras estudantes negras a sonharem com suas trajetórias de vida e a conquistarem novos espaços na sociedade.
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“Quando as pessoas tiverem acesso a essa literatura [feita pelas mulheres negras] e virem que podem alcançar seus objetivos e combater as desigualdades que existem no nosso país, vão poder enxergar que nós também somos fortes e que nossas raízes, vidas e histórias podem ser lindas, e inspirar mais outras pessoas”. É o que deseja a estudante Vitória, de 16 anos.
Um café literário diferente
O Club The Readers foi criado no início do ano passado e, com a pandemia, teve de usar as tecnologias digitais como importantes aliadas. Ao mesmo tempo em que o isolamento social fez com que as pessoas deixassem de se encontrar, ele possibilitou também o encurtamento de distâncias e a aproximação de pessoas de localidades diferentes.
Assim, do interior do estado de São Paulo, as estudantes realizaram a primeira edição do Café Literário online com Simone Ricco, escritora do Rio de Janeiro, educadora e mestra em Literaturas Africanas. A roda de conversa tratou sobre representatividade, raça, gênero e escritoras negras.
A primeira ação do nosso projeto (Clube de Readers- Tecnologia e literatura libertam) foi organizar o evento (Café…
Publicado por Club the Readers – Tecnologia e literatura libertam em Segunda-feira, 21 de setembro de 2020
O protagonismo da equipe fica evidente também na mediação do papo que foi feita pelas próprias integrantes do projeto. “As estudantes foram desafiadas em conversas coletivas virtuais a pensar em alternativas e nessa perspectiva surgiram ideias como promover a noção de empoderamento coletivo, a apresentação de mulheres negras como referências e sobretudo apresentar a possibilidade para as estudantes de usar a voz como ferramenta de libertação”, conta a professora Eliana.
Um caminho compartilhado
Vejo que nós, negras meninas
Temos olhos de estrelas,
Que por vezes se permitem constelar”
Mel Duarte
Os versos da escritora Mel Duarte, no poema Não desiste, negra, não desiste!, ecoam a potência dos olhos de estrelas das meninas negras para a criação constelações cada vez maiores “Eu me senti muito feliz em saber que o projeto está ganhando reconhecimento, isso é muito importante para gente pois, o intuito do nosso projeto é empoderar nós meninas negras”, celebra a estudante Barbara de Souza, 16 anos.
A ideia do grupo, daqui para frente, é produzir vídeos de entrevistas com estudantes dando dicas de livros e compartilhando experiências literárias. Além disso, pretendem seguir com os cafés literários com escritoras negras de todo o país, reformar a sala de leitura da escola e, por fim, comprar mais livros e aumentar o acervo de escritoras negras para disponibilizar para a comunidade escolar.
“Espero que a gente consiga expandir o nosso projeto para alcançar mais o nosso público-alvo [meninas e mulheres pretas e pardas] e para mostrar que nós podemos estar onde desejamos e, que os nossos sonhos vão além de trabalhos terceirizados”, finaliza.
Quer mergulhar no mundo da literatura feita por mulheres negras? Confira as dicas do Club The Readers abaixo:
- E eu não sou uma mulher? – bell hooks
- Mulheres, raça, classe – Angela Davis
- O perigo de uma história única – Chimamanda Adichie
- Os novos pentes d’ África – Cidinha da Silva
- Parem de nos matar – Cidinha da Silva
- Pequeno manual antirracista – Djamila Ribeiro
Redação: Helisa Ignácio
Edição: Andréa Xavier