Na cidade de Ipojuca, jovens criam repelente e larvicida orgânicos para prevenir doenças provocadas pelo mosquito Aedes aegypti e que estão sendo negligenciadas na pandemia.
Nos últimos tempos, as atenções do Brasil e do mundo se voltaram para a pandemia de covid-19. Enquanto a gente tenta se proteger deste novo vírus, outras doenças foram caindo no esquecimento da população.
É o caso da dengue, zika e chikungunya, transmitidas por um inimigo que já é nosso velho conhecido, o mosquito Aedes aegypti.
Com essa motivação, estudantes da Escola de Referência em Ensino Médio de Ipojuca (PE) desenvolveram uma solução natural para combater os tão indesejados mosquitos. À base de plantas medicinais, criaram um larvicida orgânico e um biorepelente para ser usado em difusor elétrico.
O projeto Uma Ação Para Salvar Vidas foi premiado na última edição do Desafio Criativos da Escola.
Sentindo a dengue na pele
A iniciativa começou em fevereiro de 2020, pouco antes do coronavírus ser propagado no país. Nessa época, os noticiários denunciavam o aumento preocupante de doenças provocadas pelo mosquito Aedes aegypti. Pernambuco estava em estado de alerta pelo crescimento dos casos de dengue.
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“O nosso professor ficou doente e se isolou em um sítio. Lá, conversou com pessoas mais velhas que deram a ele um chá feito de plantas. Não sei se por coincidência ou não, ele melhorou. Foi aí que a gente pensou que poderiam ter soluções naturais não só para remediar, mas para prevenir essa [a dengue] e outras doenças [causadas pelo mosquito]”, lembra Gilberto Gueiros, 16.
O grupo se entusiasmou com a ideia de criar uma saída natural para eliminar os mosquitos, já que os inseticidas disponíveis no mercado fazem mal não só para os insetos, mas também para as pessoas e o meio ambiente. “Os industrializados podem até funcionar, mas são muito tóxicos”, complementa Gilberto.
Buscando soluções naturais
Sob a orientação dos professores Carlos Júnior e Joanderson Lacerda, os estudantes iniciaram a pesquisa.
“A gente começou a pensar em como poderia trabalhar de um jeito orgânico, sem usar produtos químicos perigosos. Me vi diante de fórmulas, artigos gigantes e confesso que fiquei meio perdido: como a gente vai fazer isso?”, lembra o estudante Cauã.

Além dos desafios do conhecimento, a pandemia chegou, mudando a forma de ensino. Os estudantes se viram diante da dificuldade de continuar o projeto em isolamento. “E enquanto a gente só falava em pandemia, os mosquitos continuavam atacando”, conta Gilberto.
Mesmo sem encontros presenciais e sem o laboratório da escola, a equipe seguiu com o projeto. Os estudantes criaram o próprio material de trabalho.

“A gente fez várias reuniões online, mas chegou um momento em que precisávamos partir para a prática. Foi aí que o professor levou, na nossa casa, um mini laboratório feito com material reciclado”, lembra Thafynys Melo, 17 anos.
Partindo para a prática
Para realizar os testes práticos, os estudantes usaram este mini laboratório composto por papelão, isopor, madeira MDF reaproveitada, conta-gotas, pipeta, e uma tela perfurada que foi utilizada em armadilhas para a captura de larvas.
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“Essa parte de capturar não foi difícil. Por estarmos em um lugar quente, atrai ainda mais mosquitos. Aqui na laje do meu vizinho, já tinha uma garrafa de vidro cheia de larva dentro. A gente também fez a nossa própria armadilha, usando a tela e um balde com água.”, conta Gilberto.

Mais complicada foi a produção dos óleos essenciais. Para isso, utilizaram um destilador feito com garrafa PET, tubo de PVC, madeira e chapas de alumínio reaproveitadas, além de motor de impressoras e aparelhos de DVD que estavam sem uso.
Com os óleos essenciais extraídos com o destilador, e um difusor feito com latinhas de alumínio e carregador de celular, o grupo passou a testar diversas combinações com citronela, alecrim, hortelã, manjericão e canela.
Para aprender, experimentação
O educador Joanderson Lacerda acredita no protagonismo da ação dos estudantes como forma de aprendizado.
“A maioria dos estudantes está acostumada a receber o conteúdo pronto. É difícil desenvolver esse protagonismo, mas deixamos na mão deles. Se não fizessem, não ia acontecer. Eles perceberam que não adianta ser imediatista, não é de uma hora pra outra que as coisas dão certo. Ciência é experimentação. É dar errado milhões de vezes para em algum momento chegar no resultado certo”, explica o educador Joanderson Lacerda.

E depois de vários testes, o grupo encontrou, enfim, uma solução eficiente para eliminar as larvas e os mosquitos do Aedes aegypti. A combinação de canela e hortelã se mostrou a mais poderosa. Assim, nasceu o larvicida e biorepelente Hortcan.

“O sucesso de ver o nosso produto funcionando foi uma emoção muito grande!”, lembra Thafynys. “Além de ser eficaz, a mistura de canela e hortelã deixa um cheiro muito bom no ambiente, diferente do que é vendido por aí”, complementa Gilberto.
É só o começo
Mesmo em meio às limitações da pandemia, os estudantes de Ipojuca conseguiram criar um produto orgânico para combater os mosquitos, além do destilador e do difusor sustentáveis, que reaproveitam materiais que levariam centenas de anos para se decompor na natureza.
O sucesso do projeto trouxe também uma mudança de perspectiva em relação ao ensino e ao futuro. “Eu mesma estava totalmente desanimada para entrar nas aulas online, era um terror pra mim. Esse projeto ajudou muito, deu ânimo. Eu percebi que participar das aulas era importante para o projeto e para a minha vida”, lembra Thafynys.
O projeto não acabou. A gente sonha muito com uma parceria com alguma universidade ou empresa, para desenvolver e comercializar o nosso produto. O primeiro passo a gente já deu: descobriu uma fórmula que funciona e que não faz mal à saúde como os inseticidas que são vendidos por aí.
Premiado no Desafio Criativos da Escola, o grupo ficou ainda mais animado para continuar com a iniciativa. Hoje, buscam por uma parceria para realizar mais testes e dar os próximos passos rumo à distribuição do Hortcan. A iniciativa tem também um perfil no Instagram.
Atenção! As inscrições para o Desafio Criativos da Escola 2021 estão abertas até 04 de outubro. Participe!
Redação: Marina Finicelli
Edição: Helisa Ignácio
O holofote ficou todo em cima da pandemia, mas existem também as outras doenças, doenças tropicais, que estavam crescendo muito por aqui. A gente não consegue resolver o problema do mundo, mas pode tentar ajudar a nossa vizinhança.
conta o estudante Cauã Nascimento, de 16 anos.