Estudantes quilombolas mantêm grupo de dança focado em ritmos africanos como uma alternativa cultural ao tempo ocioso dos jovens no período extra escolar
A Comunidade Quilombola Lagoa dos Anjos é um importante território de resistência e preservação da cultura afro-brasileira. Distante aproximadamente 10 quilômetros da região central do município de Candiba (BA), abriga cerca de 25 famílias. Foram muitos anos de luta para que, em 2011, fosse reconhecida e certificada pela Fundação Cultural Palmares como uma comunidade remanescente de quilombo. Entretanto, ainda hoje enfrenta o desafio cotidiano de estar localizada em uma área de vulnerabilidade social.
Nesse contexto, uma das principais preocupações dos moradores é criar opções para a juventude, que vive longos períodos ociosos, exposta, por exemplo, ao consumo de álcool e drogas. Foi justamente com o objetivo de transformar esse cenário que, no início de 2017, o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) realizou uma reunião na comunidade na qual incentivou a quilombola e então estudante do 2º ano do ensino médio, Carlúcia Alves Ferreira, a reunir jovens em uma apresentação de dança no dia das mães.
“A partir da proposta [do CRAS], eu ensaiei algumas crianças para se apresentarem e elas gostaram tanto que quiseram que a experiência continuasse. Foi aí que eu propus que nós formássemos um grupo”, recorda Carlúcia.
Com o interesse coletivo demonstrado após a primeira exibição, Carlúcia e outras duas estudantes do 2º ano do ensino médio, Nadiene Alves Ferreira e Andressa Moreira de Souza, reuniram-se com mães de jovens da comunidade e decidiram criar o Grupo de Dança Quilombo dos Anjos. Desde então, houve grande engajamento dos participantes dentro e fora da escola.
“As notas na escola melhoraram muito, porque isso foi colocado como condição para eles participarem do grupo. São vários os testemunhos das mães. O aluno mais velho sempre fugia de casa e não respeitava ninguém. Atualmente, todo mundo gosta dele. Houve uma mudança depois de entrar no grupo”, exemplifica Nadiene.
Cultura de resistência
“Além de dançar, nós queremos ser o cartão-postal da nossa comunidade”, explica Carlúcia. E não foi qualquer cartão-postal que o grupo quis se tornar, mas um que representasse as origens quilombolas e africanas do território.
“Nós somos uma comunidade quilombola e, por isso, utilizamos ritmos africanos para que as crianças comecem a se interessar e conhecer mais a sua cultura. Elas tem que aceitar sua raça e lutar por sua cultura. Ensinamos que não é vergonha ser negro e que elas não podem ter vergonha da sua cor”, relata Carlúcia.
De acordo com a jovem, as apresentações contam com danças tradicionais quilombolas e africanas, mas também com músicas populares contemporâneas que têm suas raízes nos ritmos afro-brasileiros, como forró, axé e funk.
Desafios
Durante os quase dois anos de existência, o grupo formado por 11 jovens já se apresentou em diversas escolas e universidades da região e pretende, no futuro, tornar-se profissional. Infelizmente, a falta de recursos e estrutura tem impossibilitado a adesão de novos integrantes, apesar da grande procura. “Nós não contamos com nenhum apoio financeiro e ensaiamos no salão comunitário, que é minúsculo. Muitas vezes temos que ir para a parte de fora, que com sol fica muito quente”, comenta Carlúcia.
Uma das incentivadoras do grupo é a professora do Colégio Estadual Antônio Batista, Cláudia Regina Oliveira Patez. “Eu inscrevi o projeto no Ciências na Escola, mas ele não foi selecionado. Depois o inscrevi no Criativos na Escola e acabou sendo um dos finalistas. Apesar da falta de recursos, a Carlúcia continua com o grupo e agora também está dando aulas de pintura. Eu apenas apoio e incentivo”, revela Cláudia.
No final do ano passado, Carlúcia terminou o ensino médio e, nesse ano de 2019, ingressará no curso de Educação Física na cidade vizinha de Guanambi (BA). Mesmo assim, pretende continuar os ensaios e apresentações nos finais de semana e feriados.
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Redação: Guilherme Weimann
Revisão: Juliana Gonçalves
Imagens: Divulgação