Alunos de Iracema (CE) criam caderno didático e gincana para valorizar a cultura negra e combater o racismo na escola.
Quando perceberam que muitos colegas também sofriam com o preconceito étnico racial, alunos das Escolas Estaduais Deputado Joaquim de Figueiredo Correia e Benigna Etelvina, em Iracema (CE), resolveram agir para combater o problema.
“Cada um de nós tinha uma história para contar. A gente sofria com o preconceito até dentro da escola. E os que mais sofriam eram as pessoas negras. Então, conversamos e decidimos fazer algo para mostrar que todos merecem respeito”, conta Bruno Renan, que estava no 3º ano do Ensino Médio quando ajudou a tirar do papel o projeto “Sentindo na pele: um estudo dos povos africanos e afro-brasileiros pela superação do preconceito racial na escola”.
A ideia original, que surgiu com Bruno e mais outros cinco colegas em 2016, acabou crescendo e se transformando em diferentes atividades e materiais. Entre eles está um caderno didático, formado por planos de aula que despertam, principalmente, a valorização da cultura negra e a conscientização sobre a importância do combate ao racismo. Clique aqui e acesse o material criado pelo grupo.
“Falando com os professores, a gente via que eles tinham muita vontade de tratar do assunto na aula, mas não tinham material”, conta Bruno. O caderno didático, que tem material impresso e digital, traz sugestões de temas e aulas para todas as disciplinas.
Alguns professores já incorporaram o caderno, especialmente os que dão aulas ligadas à área de humanas. No entanto, a professora Maria do Socorro Queiroz, que é a orientadora do “Sentindo na pele”, conta que o material é multidisciplinar e que docentes de outras áreas estão se interessando também.
“Temos muitas músicas e poesias, indicações de filmes e clipes sobre a cultura africana. Mas também temos planos de aula de química, por exemplo, que explora as peculiaridades da melanina nos negros, de como ela protege a pele. Já em sociologia, tem a questão do se definir negro. Em matemática, trazemos um caso sobre como nos Estados Unidos a pessoa, querendo se declarar negra, tem de se enquadrar em algumas medidas de maxilar por exemplo – daí, o aluno precisa trabalhar com números e medidas”, exemplifica a professora.
Atualmente, as ações prioritárias do projeto são incorporar o caderno no plano de aula de professores das áreas de exatas e biológicas, além de divulgá-lo à Câmara dos Vereadores e outros órgãos estatais para que possa ser implementá-lo em colégios da região.
Força do grupo
Bruno conta que desde o começo o projeto foi bem recebido pela comunidade escolar e que a maior dificuldade que o grupo enfrentou foi conseguir horários comuns para se reunir. Isso porque eles eram de anos diferentes, com horários às vezes alternados, e também porque alguns integrantes eram de outro colégio. Enquanto Bruno estudava na escola Deputado Joaquim de Figueiredo Correia, alguns colegas estavam na Benigna Etelvina, que fica no distrito de Ema, onde há uma comunidade quilombola.
“Mas a gente sempre dava um jeito de se encontrar, mesmo que um ou outro não pudesse. Cada um foi dando sua contribuição. Até hoje eu penso que não tem nada melhor do que ver que algo tão bacana, que ajuda outras pessoas, cresceu com a sua ajuda”, relata o aluno.
Para a professora Socorro, um dos fatores que a impressionou foi a autonomia dos alunos não só na escolha sobre o tema, mas especialmente na hora de pesquisar. “Nossa escola tem essa vantagem que é a de já ter projetos de incentivo à pesquisa. Então, os alunos já sabem como funciona. E meu papel como orientadora é deixar eles decidirem e tocarem o projeto sozinhos, só ajudando com questões mais pontuais, como organizar um cronograma”, cita a docente.
Gincana Africana
Um dos pontos de partida da pesquisa dos estudantes foram as leis federais 10.639/03 e a 11.645/08, que tornam obrigatório o ensino de história da África e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas. A primeira ação do grupo foi organizar uma “gincana africana” para divulgar o projeto com músicas, poesias e histórias da cultura afro. No evento, cada equipe compete fazendo uma apresentação de temas pré-definidos como lendas, dança ou música africana. A partir daí, foi criado o caderno didático e também foi feita uma caminhada pela cidade, para divulgar a iniciativa.
O Sentindo na pele já participou de diversas feiras de projetos educacionais no Brasil, como a MostraTec, realizada em Novo Hamburgo (RS). O caderno também está sendo analisado por órgãos municipais e estaduais de educação para serem incorporados em outras escolas. Como um de seus principais reconhecimentos, o projeto foi um dos finalistas na premiação nacional Desafio Criativos da Escola 2017.
Para a professora, é ótimo ver o projeto crescendo e perceber seu impacto especialmente dentro da escola. “A ideia sempre foi conscientizar os alunos sobre a questão do racismo, que acontecia principalmente em relação ao preconceito ao cabelo, mesmo em uma escola em que 70% dos estudantes têm cabelo crespo. E a maioria das meninas alisava o cabelo”, conta Socorro.
Depois do projeto e, principalmente após a gincana, segundo ela, muitas das meninas pararam de alisar o cabelo, passando a usá-lo solto. “Até fizemos dezenas de turbantes para usar em uma das caminhadas. É incrível ver essa mudança”, finaliza a professora.
Você conhece um projeto protagonizado por crianças e jovens que está transformando a escola e a comunidade?
Redação: Mariana Della Barba
Edição: Gabriel Maia Salgado
Imagens: Divulgação